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Maio | “O carro do moinho” na Parada agrícola de 1912


Fotografia da Coleção Sousa Cristino PT/MVNF/SC/353
«Carro da Freguezia de Gondifellos» que foi levado pelo «sr. Duarte de Menezes e outros proprietários, representando a casa de um moinho com todas as pertenças, incluindo agua, moleiro e jumento, tudo caracteristico da localidade», e que conquistou o primeiro prémio da Agricultura»
In Occidente 1209, 1912, p. 165-166


Parada agrícola que não está associada a nenhum elemento festivo religioso. A Parada foi promovida pela Associação de Agricultura Famalicense e Associação Comercial e Industrial.
O primeiro carro foi o «Carro da Associação da Agricultura Famalicense, com alfaias agrícolas, puxado por 5 juntas de bois, com as lindas cangas arrendadas e caracteristicas da provinda, guiando os bois belas cachopas minhotas, que as não ha mais formosas». Como se pode ver, o par de mulheres voltou a ser imprescindível na condução dos bois que levavam cangas da região e, para quase todos os observadores de fora, com características claramente diferentes das de outras zonas geográficas, como tratou de especificar o jornalista ao referir as mesmas. O carro da «Associação Comercial e Industrial» foi mais alegórico uma vez que levou uma figura da Fama sobre um obelisco e também fez publicidade aos produtos locais, porque transportava «caixas, fardos, barris, com as marcas de negociantes de Famalicão é quanto este carro conduz, além de creanças que distribuem reclamos».

No entanto, não foi o único que teve esta linha comercial porque foram descritos bastantes carros que tinham essa intenção e que ganharam prémios da «indústria». Este tipo de carros em geral serviu para refletir avanços técnicos no mundo agrícola, e assim aconteceu com o carro da «firma Pinto Basto, de Lisboa, de rêclamo ao citrato de sodio» que estava «lindamente decorado de pinturas e mereceu o Premio especial de medalha de ouro e diploma de honra». Também houve um «Carro de Bombas de pau,» no qual se publicitaram os «trabalhos do artífice Manuel Rodrigues» e que ganhou o terceiro prémio da Indústria. O dos fertilizantes químicos, o «Carro dos Castelões» do senhor Manuel Torres, «exemplificava o efeito dos adubos na terra que fazia germinar com exuberancia e da terra arida e sêca por no lhos aplicarem» pelo que recebeu o segundo prémio. O quarto foi para o «Carro de J. Rocha: réclamo à casca de carvalho de que se faz grande exportação». Mas nem todos os carros publicitários vieram de fora, uma vez que houve dois da localidade:

«Carros da Casa Portela, de Famalicão, o primeiro dos quaes era de réclamo às diferentes alfaias agricolas que fabrica e que levava à frente uma rapariga empunhando um estandarte onde se lia Honra e Trabalho, e tendo pendente as medalhas que esta casa tem obtido em varias exposições. O segundo carro era de réclamo aos adubos quimicos que a mesma casa fornece. Bem decorados estes carros, tiveram dois primeiros premios».

A todos eles, e talvez não isento de uma propaganda mais pessoal do que económica, o comentador juntou outros três que remetiam para essas construções alegóricas que tinham desfilado no Porto. Nalguns casos foi indicada a sua origem, como aconteceu com o «Carro da Freguezia de Gondifellos» que foi levado pelo «sr. Duarte de Menezes e outros proprietários, representando a casa de um moinho com todas as pertenças, incluindo agua, moleiro e jumento, tudo caracteristico da localidade», e que conquistou o primeiro prémio da Agricultura. Os outros dois prémios desta secção foram para dois carros que representavam trabalhos da região; o segundo foi para o «Carro da Malhada, do sr. Antonio José Barros de Faria, representando a malhada e alimpa (sic) do centeio», enquanto o terceiro foi para o «Carro da Esfolhada do sr. Antonio Gomes da Silva Brandão, interessante scena de vida dos campos».

«Outros carros ainda se viam no cortejo, de menos importancia, não obstante merecerem os premios que lhe fôram conferidos», dos quais se fotografou o «Carro das azenhas»

«Foi uma festa e um certamen proveitoso, de incitamento ao trabalho e ao progresso com que Vila Nova de Famalicão se honrou».

O que pode ser interessante é a maneira como iam vestidas as mulheres que guiavam as juntas, sobretudo se as compararmos com os trajes estilizados do Carnaval do Porto e com as suas reproduções lisboetas; a diferença salta à vista e mostra a influência das imagens do século XIX, seja através de livros como A Arte e a Natureza em Portugal de Emílio Biel, ou de postais, muitos deles editados em Viana do Castelo.

Fonte: Mingote Calderón, J.L. (2022). Das Paradas agrícolas aos cortejos etnográficos em Portugal. Afrontamento.